sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

DECISÃO

Estou sentada e só. A cozinha é bastante grande e posso movimentar meus olhos de cà prá lá de là prà cá, mas nada encontro. No momento nada me agrada. Olho para o chão e vejo, no piso, migalhas de pão. Fosse de dia e as formigas estariam fazendo a festa. Vagarosamente dirijo meus olhos para o alto e deparo com o teto. Há tempos não vê uma pintura... Bem no canto uma aranha trabalha sua teia, em silêncio. O mesmo silêncio em que me encontro agora. Viver como a aranha deve ser algo interessante, pois ela não tem história, sempre está começando. Termina uma teia, parte para a construção de outra, sem preocupar-se com a que deixou para trás. Tenho fome e muita sede, mas não quero ocupar-me disso agora. Preciso pensar. Preciso ficar em silêncio. Preciso pensar em você. Lá fora a lua é cor de prata. Cheia, muito cheia. Apago a luz e tudo o que vejo é a claridade desta bola prateada que, sem nos cobrar nada, mostra a beleza de sua nudez. A casa está em movimentos ininterruptos de respiração profunda. Todos dormem neste momento. Às vezes fico pensando que se pudessem fechar todas as saídas de ar, a casa se tornaria inflável, enchendo-se a ponto de subir levemente, de forma suave, tal como um balão colorido que baila nos céus em noite de São João. Acho que morreria de tesão. Tesão mata? Mata sim, pois parte de mim morre a cada dia que te vejo. Jogo-lhe os olhos, mas não posso te tocar, te despir, te beijar como fora em outros tempos. Ainda tenho a sensação de teu suor em meu corpo. Ainda sinto teu cheiro bom. Isto tudo é tão forte em mim quanto são as lembranças que guardo de ti. Tua voz ainda me chama de amor e agora não te vejo mais. Olho-me no espelho e tenho cara de pavor. Encontro-te jogado num canto, cara triste de uma tristeza mentirosa, fingida. Você não olha para mim. Sabe por que você não destrói a casa da aranha? Porque a aranha não se incomoda, não sente, simplesmente parte para a construção de outra teia e isto não te faz nada bem. Não te faz nada forte. Ora, saia deste espelho que ele é meu e já não te quero mais aí. Prefiro a saudade neste canto. Você tem até o amanhecer para sair daí. Seja breve. Arrume-se, pois suas horas estão contadas e terminarão com os primeiros raios de sol. Sol. Quando o vejo, nada mais tem importância para mim. Você também gosta do sol, não é? Gosta de chuva, de flores, de lua bonita, do cheiro do mato, da lama da chuva, do cheiro de terra molhada, de estrelas cintilantes. O cheiro do mato é feito cheiro da gente. Somos um pouco disso tudo. Sabe como te vejo? Teus olhos são pequeninas estrelas e de encanto sem fim. Tua boca o infinito céu que não me canso de querer tocar. Teus dedos a relva fresca e macia que ao me tocar, arrepia. Tuas pernas estradas plainas, suaves. Tua respiração a brisa leve que carinhosamente sussurra em meu ouvido a doce cantiga do mar. Nunca mais te vi. Fomos tão duros um com o outro. Machucamo-nos e matamos nosso amor. Nas últimas vezes que te procurei você me ignorava. Ah! Pra que relembrar tudo isso? Porque fui jogar-me num poço de memórias? Porque te buscar e trazê-lo à tona se você já estava enroscando-se nas pedras cheias de limo. Queria, na verdade, vê-lo bem abaixo delas. Seria tão bom poder esquecê-lo no frio fundo do poço. Não posso. Não consigo. O que é que há comigo? Ora, vamos! Não tenho tempo a perder. Preciso te esquecer. Mas não te esqueço. Quero-te tanto... Ei! Escuta só o relógio... Tá ouvindo? Falta pouco pra você partir. Lembra-se dos raios de sol? Está chegando... Preciso resistir. Não quero vê-lo sair. Vai doer. Meus olhos estão fechados. Apertados. Sinto meu corpo doer. Fomos malditos. Impiedosos. Matamos nosso amor! Acordo... Já não vejo mais a aranha. Não sei ao certo se ela existiu. As migalhas de pão sumiram do chão. Talvez as formigas tenham passado por ali. Teimosamente os raios de sol entram pelas frestas das portas e janelas. Tenho a impressão de que dormi com a lua. Sei que amanheci com o sol e dou boas vindas a ele. Curiosamente olho para o espelho e nele se reflete o que sobrou de mim. Você já não está mais naquele canto. Você já não está mais em canto algum.