Há sete anos moro na mesma rua que fica distante uns quinhentos metros da praia, onde ela termina. Em sua extensão avistam-se muitas árvores, pássaros de todas as cores, tamanhos e diferentes cantos e também muitas casas térreas, habitualmente vazias. Poucas são as construções de dois andares e entre estas poucas, a minha é uma delas. Esta rua também é passagem para a praia e por isso, quando chega o verão que aqui chamamos “época de temporada”, ela fica muito movimentada. Particularmente chamo esta época de “tempo de vida”. É muito bom ouvir conversas sem necessariamente definir o assunto, músicas que se misturam umas com as outras criando novos ritmos, risos, gritos, choro de crianças que sempre querem alguma coisa, latidos de cãezinhos que com certeza não foram consultados se queriam ou não ir à praia e submissos seguem barulhentos acompanhando seus donos. Tudo muito comum nos últimos dias do mês de dezembro. Facilmente meu nariz acusa o último dia do ano. A rua fica mais tranqüila e no ar esparramam-se cheiros provenientes das casas que agora estão lotadas. É possível sentir cheiro de assados, doces e caldas que certamente enfeitarão as mesas e encherão olhos, bocas e barrigas. A noite vagarosamente chega cobrindo o dia com seu manto negro, mas não traz a total escuridão. Ela está especialmente linda. Minutos antes de soar zero hora corro para a calçada de casa e espero passar por ali a procissão que me leva ao mesmo lugar durante anos. Dei o nome de procissão porque a maioria das pessoas que por ali passam rumo à praia veste-se de branco e saem em caminhada, uns atrás dos outros, como quem acompanha um santo no andor. Todos querem alcançar a praia antes de meia-noite. São velhos cansados, crianças agitadas, namorados apaixonados, solitários em busca de um par; e o cheiro de todos os perfumes fica no ar. A rua fica lotada e os carros têm que esperar. Aos poucos o movimento diminui e sinto que também devo ir. Caminho sem pressa. Alcanço a praia e sento-me em uma grande pedra que parecia me aguardar. Olho o mar e perco-me em lembranças enquanto admiro o movimento das águas. No céu os primeiros estrondos dos foguetes anunciam o nascimento do novo ano. Um espetáculo de luzes e cores. As pessoas trocam beijos, abraços, bebidas e palavras de ânimo e esperança. Sempre assim. O ano que ficou para trás e que um dia foi recebido com a mesma pompa agora é rejeitado, esquecido. Uma fina garoa cai e celebra também o novo ano como quem o batiza e lhe dá as boas vindas. Um moleque brinca de lançar areia no ar e atinge meus olhos. Tira-me dos mais profundos sonhos e lembranças. Irritada, levanto-me e grito:- Pare com isso, moleque do caralho! Não vê que encheu meus olhos de areia? Alguém ao meu lado sorri e diz: - Esquentadinha você, hein? Sacudo os ombros com ar de pouco caso e, sorrindo com a observação sobre meu temperamento, lentamente caminho de volta para casa pensando que o moleque havia dado um jeito de envolver-me novamente nas lembranças bruscamente interrompidas por uma inocente brincadeira. Feliz Ano Novo para você.