terça-feira, 13 de abril de 2010

RODO AGRESSOR

Não sei ao certo quanto tempo moramos naquela travessa da Avenida João Dias em Santo Amaro, mas é um dos lugares que tenho muitas lembranças. É uma mistura de coisa boa e ruim que confunde entre o gostar e odiar aquele lugar. Minha mãe chamava aquele quintal de "Cortiço da Velha Benedita". Era mesmo um cortiço, pois ali moravam várias famílias que se viam obrigadas a dividir o tanque de lavar roupas, o poço para obter a água e o pior de todos: o banheiro. As pequenas casas foram construídas na volta do terreno e calculo entre oito ou nove portas. Minha irmã mais velha nunca admitiu estas lembranças e acho muito engraçado quando ela diz que estou delirando ao descrever o tempo e a quantidade de pessoas, mas não imaginei aquelas pessoas e tão pouco o lugar. Não me envergonho, afinal é parte de minha estória e nossa vida era aquilo que era e acabou. Na verdade minha mãe sempre deixava por conta de meu pai a procura de casas para alugar. Acredito que ele não se incomodou com o aspecto do quintal e nem com as dificuldades que ela enfrentaria no dia-a-dia tendo que trabalhar para ajudar no orçamento doméstico e cuidar de três filhos e mais um que estava a caminho. Com certeza deve ter olhado pelo lado do comodismo uma vez que era muito próximo do centro de Santo Amaro. Tudo que fizéssemos poderia tranquilamente ser feito à pé. Pois bem, hoje não vou me apegar muito nas várias estórias que tenho deste quintal. Um dia qualquer conto outras. Hoje quero falar do rodo agressor. Acho que era madrugada ou pelo menos muito tarde da noite, pois todos dormiam naquele momento. Um barulho muito forte lá fora acordou minha mãe. Eu dormia perto da janela do quarto que na verdade era um vitrô, destes que hoje se vê muito em cozinhas e banheiros. Um dos vidros dele estava quebrado e nunca foi consertado, mas para mim era ótimo, pois eu tinha um gato e altas horas ele retornava da rua e entrava por ali caindo direto no berço que eu dormia. Puta merda! Eu deveria ter uns oito anos e dormia em berço! Isso também tem explicação. Fui uma mijona de carteirinha e ninguém dividia a cama comigo. Quem queria acordar mijado? Com o barulho no quintal e o movimento de minha mãe eu também acordei e a acompanhei. Calmamente minha mãe abriu a porta e na pequena abertura tentou espiar. Não vendo nada resolveu sair. Foi andando devagarzinho atenta a tudo. Disse-me que ficasse ali na porta somente olhando. Agachei e fiquei olhando o lento caminhar dela e sentindo a tremedeira que tomou meu corpo todo. Sempre fui muito medrosa. Minha mãe já ia lá adiante e não vendo nada voltou. O problema foi a volta. Caminhou passo a passo em ré. Achei engraçado, mas não gargalhei para não apanhar. Vamos falar a verdade! Minha mãe era uma grande estrategista! Já próxima da porta de casa, sem olhar para trás, não pôde ver o rodo que estava encostado na parede com a parte mais larga dele para a frente. Não deu outra! Seu calcanhar apoiou no rodo e este veio com tudo cacetando o cabo em sua cabeça. Foi um grito só! Perdeu a cor. Pegou o rodo e jogou-o longe, emputecida com o susto. Corri e pulei no berço sufocando minhas gargalhadas no travesseiro.