sábado, 1 de maio de 2010

LEMBRANÇAS

Acordei procurando meus chinelos. Acostumei-me a andar calçada não tem muito tempo. Estando em casa meus pés ficavam livres dos calçados. Já não sou mais assim. Meu marido de tanto se irritar em ver-me descalça acabou colocando o costume do uso dos chinelos em mim. Nem é tão ruim assim. Pois bem, procurei no quarto, no banheiro, na varanda e nada! Caraca! Onde os deixei desta vez? Bem assim faço com os óculos. Uma tortura quando preciso deles! Sentei-me na cama e ri muito. Lembrei-me que quando criança estivesse onde estivesse, arrancava os chinelinhos para brincar mais à vontade. E nesta de descalçar-me, os chinelos ficavam jogados em um canto qualquer. Juntava-me à criançada da rua e o esquecimento daquelas coisinhas desconfortáveis em meus pés era inevitável. E aí vem uma lembrança muito nítida: muitas vezes colocava os amigos em árdua tarefa de encontrar os chinelinhos, pois era o momento de voltar para casa. Sempre alguém encontrava e logo vinha a frase que me acompanhou por muito tempo: Vixiiiiiiiiiiiiiiii, sua mãe vai morrer! Morrer? Sim, vai morrer. Então você não sabe que quando o chinelo está virado pra cima é sinal de que a mãe do dono vai morrer? Credo? Isso não é verdade! Meus chinelos sempre viram. Então se cuide. Sua mãe vai morrer. Que nada! Coisa de criança besta! Não pode ser! Mesmo não acreditando nestas bobagens, passei a prestar mais atenção na posição dos abandonados chinelos. Mas um dia precisei recorrer a eles. Minha mãe, sempre muito severa, naquele dia não economizou nas dúzias de cintadas que carimbava em minhas pernas, bunda e braços. Estes últimos pela tentativa de fazer deles, escudo. A coisa era feia mesmo e é claro que eu devia ter feito uma das boas! E foi assim que, logo após o festival de lambadas, a crise convulsiva de choro, o ardor no corpo que não passava e movida por uma grande raiva, procurei meus chinelinhos, alpargatas e tudo o mais que usava nos malditos pés e virei um a um. Cuidava para que ninguém notasse e fosse arrumá-los. Era preciso força total. Nenhum deles podia ser desvirado. E assim adormeci. Acordei assustada, arrependida, cheia de medos. Olhei em volta do pequeno quarto que abrigava a todos da família e respirei aliviada quando deparei com minha mãe arrumando as roupas que meus irmãos e eu vestiríamos para mais um dia de escola para nós e trabalho para ela e meu pai. A vida para ela não era nada fácil! Nunca foi!