quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
A BUNDA DA LAZINHA
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
ALAMBIQUE
O pai decidiu que mudaria sua vida daquele dia em diante. Estava muito distante da filha e sentiu que precisava de uma aproximação. Precisava mesmo ensinar algumas coisas a ela para que num futuro distante, onde talvez ele já nem mais estivesse presente, pudesse ter boas recordações e quem sabe contar a seus filhos.
Foi então que resolveu levar Letícia para um passeio no sítio de seu pai. Nasceu e cresceu ali. Conhecia aquela imensidão de terras. Correu aqueles pastos verdinhos. Brincou de cowboy, de toureiro, de cavaleiro da noite.
Letícia também conhecia bem aquelas terras. Muitas vezes esteve ali acompanhada de sua mãe. O pai nestes tempos estava ocupado demais para desfrutar dos bons momentos que todo aquele espaço proporcionava.
Letícia também pisou no pasto verdinho e sentiu nos pés descalços o frescor da terra molhada. Gostava do cheiro bom daquelas pastagens. Conhecia bem o calor do chão do curral nas madrugadas em que acompanhava o avô para tirar leite das vacas. Deslumbrava-se ao ver os bezerrinhos mamando em suas mamães. O avô então dizia que era assim que ela mamava em sua mãe quando ainda pequenina.
E então, pai e filha juntos caminhavam por aquelas terras e apreciavam a paisagem quando em determinado momento Letícia o convida para irem ver o Alambique.
Alambique? Aqui no sítio? Letícia, não há nenhum alambique por aqui. Tem sim papai. Sempre vou visitá-lo com a mamãe. Só pode ser invenção de sua mãe. Vou te ensinar o que é alambique.
Letícia, sem nada entender e sem parar de caminhar em direção ao Alambique escutou calmamente a lição que o pai, detalhadamente, ensinava.
Alambique minha filha é um equipamento que se usa para a fabricação de cachaça. Cachaça é uma bebida alcoólica que é extraída da cana-de-açúcar. O líquido é colocado neste aparelho que é aquecido por uma caldeira. Este aquecimento transforma o líquido em vapor que logo é conduzido para uma solução que o refrigera e causa condensamento e daí surge uma bebida chamada pinga, cachaça, mé, água-ardente e muitos outros nomes que cada região lhe dá.
Diz a lenda que a água-ardente foi descoberta pelos escravos. Trabalhavam no engenho de cana-de-açúcar e como você já deve ter estudado, não usavam camisas. Apenas calças feitas de saco. Eles recebiam castigo de seus senhores que os levavam ao tronco para receber chibatadas, ou seja, eram chicoteados até a exaustão e os ferimentos ficavam em carne viva por muitos dias em suas costas.
Um dia os escravos estavam trabalhando na moagem da cana que é o processo que se extrai o caldo de cana, que você certamente conhece quando vai com mamãe à feira, e este caldo era levado a fogo brando até alcançar o ponto de mel que após seria submetido à agitação acelerando a cristalização do açúcar.
Neste dia o calor estava intenso e dentro do engenho maior ainda por conta dos grandes tachos que estavam no cozimento. O vapor subia e no teto transformava-se em pequenas gotas que caiam como chuva nas costas feridas dos escravos. Ao caírem nos ferimentos eles gritavam de dor porque ardia muito. O capataz invadiu a senzala quando ouviu o rebuliço dos negros e ao perguntar o que estava acontecendo responderam apontando para o teto: “pinga água ardente pinga”. E daí os primeiros nomes da bebida.
Enquanto o pai narrava seus conhecimentos Letícia o conduzia por caminhos muito conhecidos por ela. Olhava-o de quando em quando, mas naquele momento não estava interessada em açúcar que segundo sua mãe só servia para engordar e tão pouco na tal bebida que já sabia, deixava as pessoas alegrinhas, atrapalhadas, fora da realidade também segundo palavras de sua mãe. Virou-se para o pai e disse: Papai você pirou de vez! Alambique não é tudo isso que você falou. Olhe lá. Estamos chegando. Veja uma coisa. E assim dizendo gritou:
- Alaaaaaaaaaaaammmmbiqueeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
E por detrás de uma pequena cerca arruinada pelo tempo surge um pequeno cão que animadamente abanava o rabinho, latia e chorava lambendo a amiguinha que se ajoelhou para abraçá-lo.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
PUTAS TRISTES
Esta noite você não me terá. Sei que se habituou aos meus toques, ao meu riso, meu silêncio. Espera-me todas as noites não é? Um Encontro Marcado. Não. Isso nunca! Não é traição. Apenas uma troca. Uma vontade do diferente. São tantos! Isso não me faz infiel e tão pouco que eu esteja te deixando para trás. Quisso? Tanto tempo juntos e ainda não me conhece? Gosto do doce sabor das noites ao teu lado. Quantas vezes adormeci com o rosto colado em você. Nunca se incomodou. Sei disso. Perdi também a conta das vezes que acordei com você em meu peito, aconchegado, quieto e com cuidado te afastava. Muitas vezes nos reviramos na cama sempre à procura do melhor jeito, maior conforto. Nossa! Eu te reviro, te dobro, percorro minhas mãos em você por inteiro e cada vez te quero mais e mais ao meu lado. Pera lá! Tá me fazendo lembrar estas coisas só para não te abandonar? Sacanagem. Logo você querendo me proibir em conhecer o novo? To te estranhando. E também ele nem é tão novo como você pensa. Novo em teu lugar. Novo na diferença em falar. Nem sei se nos daremos bem. Nem sei se baterá saudade de você. To tão acostumada... Ah! Ficar com os dois será uma loucura. Uma boa mistura, mas não sei... Você agüenta? Por mim tudo bem. Deixo você ali do ladinho enquanto ele e eu nos conhecemos. Faça isso por mim.
Pois é Fernando Sabino, esta será a noite que você ficará somente olhando... Por algum tempo estarei colada nas graças de Gabriel García Marques e suas Putas Tristes.
MÃOS NO CÉU
Precisou pedalar por algum tempo e voar despreocupadamente com os pássaros para buscar algo que ficou para trás há muitos anos.
Avistou a menininha com pezinhos bem encaixados nos vãos da cerca, rosto apoiado nas mãos, olhar perdido no infinito.
Teimava em tocar o céu. Ela o via no final daquela estrada, que vez por outra, levantava poeira com a passagem de carroças. No mais era só silêncio. Passarinhos bailavam exibindo suas asinhas e canto afinado. Eram leves. Livres. Soltos. Quanta inveja sentia. Uma vez passarinho e iria passarinhar mundo afora.
Um dia iria sim. Buscaria o céu e tocaria aquele azul com as mãozinhas e quem sabe até traria um pedaço para a Dinda.
Dinda contava que aquele céu no final da estrada era apenas uma pintura e que chegando, lá não estaria. Era preciso andar mais e mais para nunca chegar. Dinda dizia que vivendo a gente crescia e crescendo envelhecia e envelhecendo morria e morrendo... A porta do céu se abria.
- Essa Dinda tem cada uma! Pensou a menininha.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
A CARTOMANTE
Leu o anúncio e acreditou. Estava mesmo na pior fase de sua vida. Vidinha besta, sem entusiasmo, sem expectativa, sem graça. Quem sabe aquela mulher do anúncio diria algo que mudaria sua vida. Não hesitou. Foi. Na pequena sala algumas pessoas também aguardavam. Olhou à sua volta. Reparou pequenos quadros na parede. Um jarro com flores enfeitava a pequena mesa ao centro forrada com uma toalha de renda bastante encardida. Em lugar do requinte, simplicidade e esquecimento. Um leve arrepio percorre seu corpo. Silêncio. Olhares trocados sem perguntas. Olhares mortos à procura de brilho. Boca seca. Coração acelerado. Na salinha compartilhada somente sussurros. Ouvidos atentos. Frases incompreensíveis. Vez de um. Vez de outro. Sua vez. Vez da busca. Vez do acalanto. Vez da esperança. Cartas na mesa. Escolhe uma. Tira do monte. Deixe de lado. Coloque em cima. Disponha em baixo. Corte com a mão direita. Escolha com a esquerda. Envolveu-se. Escutou. Tira daqui. Coloque ali. Embaralhe lá e eis que surge implacável a tão temida carta da morte. Tinha dia, tinha mês, tinha hora, tinha ano e tinha dono. Estava marcada. As cartas não mentiam jamais! Saiu atordoada. Viveu os piores dias de sua vida e em data marcada, adiantando apenas a hora, suicidou-se. As cartas tinham razão. Era horário de verão.