terça-feira, 28 de setembro de 2010

A CARTOMANTE

Leu o anúncio e acreditou. Estava mesmo na pior fase de sua vida. Vidinha besta, sem entusiasmo, sem expectativa, sem graça. Quem sabe aquela mulher do anúncio diria algo que mudaria sua vida. Não hesitou. Foi. Na pequena sala algumas pessoas também aguardavam. Olhou à sua volta. Reparou pequenos quadros na parede. Um jarro com flores enfeitava a pequena mesa ao centro forrada com uma toalha de renda bastante encardida. Em lugar do requinte, simplicidade e esquecimento. Um leve arrepio percorre seu corpo. Silêncio. Olhares trocados sem perguntas. Olhares mortos à procura de brilho. Boca seca. Coração acelerado. Na salinha compartilhada somente sussurros. Ouvidos atentos. Frases incompreensíveis. Vez de um. Vez de outro. Sua vez. Vez da busca. Vez do acalanto. Vez da esperança. Cartas na mesa. Escolhe uma. Tira do monte. Deixe de lado. Coloque em cima. Disponha em baixo. Corte com a mão direita. Escolha com a esquerda. Envolveu-se. Escutou. Tira daqui. Coloque ali. Embaralhe lá e eis que surge implacável a tão temida carta da morte. Tinha dia, tinha mês, tinha hora, tinha ano e tinha dono. Estava marcada. As cartas não mentiam jamais! Saiu atordoada. Viveu os piores dias de sua vida e em data marcada, adiantando apenas a hora, suicidou-se. As cartas tinham razão. Era horário de verão.

sábado, 18 de setembro de 2010

PEQUENA LOJA DE SEBOS


Não tem muito tempo descobri que em Itanhaém tem uma pequena loja de livros usados. Claro que entrei de sola. Adoro este tipo de comércio. Não vou dizer que me sinto como se estivesse em casa porque o leitor poderá pensar que minha casa é uma bagunça, mas que me sinto à vontade isso sim me sinto. Claro que têm muitas destas lojas que são super organizadas, mas sou uma freqüentadora de muitos anos deste tipo de comércio e posso dizer, sem delongas, que a maioria é mesmo uma bagunça. A verdade é que é desta bagunça que eu gosto. Vamos lá. Nunca sei o que estou procurando. Gosto de procurar. Mexo. Reviro. Viro. Abro. Folheio. Leio. Devolvo na prateleira e sei que contribuo para a confusão. Nunca me lembro de onde tirei. Onde couber, enfio. Só que percebi que sempre que vou a esta loja sinto tonturas e mais tarde fortes dores no pescoço. Meu estômago fica em reviravoltas. A causa disso tudo, descobri, está na exposição dos livros na prateleira. Alguns são expostos verticalmente e possibilitaria a leitura de seus títulos não estivessem muitos deles de ponta-cabeça. Esta maneira de expor os livros faz com que me incline tanto para a direita ou esquerda, cerca de noventa graus ou mais para conseguir a leitura. Judiando ainda mais dos poucos compradores que ali adentram, muitos dos livros ficam expostos horizontalmente e o que é pior na parte baixa da prateleira, aquela que fica quase rente ao chão. Imagine caro leitor, a quanto vai a inclinação. Essa confusão ainda não acabou. A desorganização nos títulos é o começo. Se por acaso tentar procurar por um determinado autor, não pense que seus livros estarão juntos. Isso nunca. Estão em toda a parte, espalhados nas mais variadas formas. Nem mesmo o vendedor consegue localizar. Ele apenas diz: “tá por aí...”. Então se você estiver precisando fazer alongamento e enriquecer seus conhecimentos visite o “sebinho” de Itanhaém. A ginástica é de graça!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

HERÓI DE GUERRA???

Em festas e rodas de bate-papo lá estava ele. Não perdia a oportunidade de sacar do bolso de seu paletó um pequeno documento com seu nome e fotografia. Esta indicava que o documento era bastante antigo.

O pequeno cartão passava pelas mãos e olhos curiosos da pequena platéia. Ele enchia-se de orgulho um orgulho que eu não entendia. Escutava aqui e acolá que no documento escrevia “Sargento Reformado” e era isso que o envaidecia. Eu era muito pequena para entender o que realmente se passava então pegava carona nesta viagem e pensava: Como pode alguém ficar feliz por ter sido reformado? Entendia por reforma o que entendo até hoje. Reforma significa melhorar o que está estragado. Dar “um tapa” como diz na gíria. Corrigir um pouco aqui e outro pouco ali para não ter que substituir. Então se era isso qual era o motivo do orgulho? E olhando bem para ele nem parecia que tinha sofrido esse trato todo. Se ele era pior do que o que eu via, céus! Melhor mesmo não tê-lo conhecido antes da tal reforma!

Fato é que o tempo também passou para mim e aos poucos fui aprendendo que Sargento Reformado era lá coisa do nosso Exército. Um título dado a ele. Descobri há pouco tempo que era mesmo somente um título. Vou contar.

Contam que o sujeito não se preocupava muito com trabalho. Não desenvolvia muito bem esta arte. Aconteceu a Segunda Guerra e lá foi ele inscrever-se como voluntário. Naquela mesma noite embarcou em um navio que o levaria para o campo de confronto com o inimigo. A partir dali ele conquistara muitos inimigos. Lágrimas da esposa. Indignação da família. Muitos pedidos para não continuar. Nada disso o impediu. Partiu. A longa e dura viagem não alcançou sequer qualquer fronteira, aliás, alcançou sim, afinal o navio saiu de São Paulo e foi bombardeado no Rio de Janeiro. Muita confusão e muita choradeira, pois as notícias que chegavam davam-no como morto em combate. Em combate? Muito tempo depois, não sei precisar se dias ou meses, chega a notícia de que um soldado foi encontrado em péssimo estado, mas vivo, nas proximidades de onde o navio havia sido bombardeado. Este soldado, que sequer havia freqüentado o Exército e tão pouco dado ao menos um tiro, foi recebido pelo Exército como herói de guerra, nomeado Sargento Reformado e o que é melhor: um belo pagamento no final de cada mês. Nunca mais precisou preocupar-se com aquilo que nunca havia lhe tirado o sono: Trabalhar.