sexta-feira, 16 de julho de 2010

CACHORRO QUE LATE...

Adolescentes, cheias de vida. Eram irmãs e sempre estavam juntas nas festas e baladas que pintavam. Naquela madrugada voltavam de uma baladinha. Vestiam calça branca, última moda. Chovia muito quando saltaram do ônibus. Moravam em bairro afastado. Não havia calçamento e asfalto era somente um sonho, um projeto no papel de um político qualquer. A parada de ônibus era em frente a uma padaria que funcionava também como um boteco e servia bebidas no balcão até altas horas. O ônibus partiu e com ele a pouca luz que iluminava a estrada. Deveriam atravessar para alcançarem a rua que dava acesso à casa, mas não sem antes levantarem a barra das calças para protegê-las das poças de água e barro que se formavam devido a chuva. Não houve tempo para nenhuma das tarefas. Uma discussão dentro do comércio rompe o silêncio. A irmã mais nova apressou-se sentindo o perigo. A mais velha disse: - Relaxe! É só uma briga de bêbados. Cachorro que late, não morde. Concluído o dito popular um forte estampido veio de lá de dentro. Um susto. Um corre. Um pega-pra-capá dos diabos. Correram para onde olharam e acabaram em uma travessa ao lado da padaria. A princípio preocupadas com as barras das calças procuravam o melhor lugar para pisar, mas o medo foi tomando conta, incorporando de tal maneira que quando puderam reparar já não escolhiam caminho e atolavam os pés no barro, uma agarrada à mão da outra. Solidariedade naquele momento era barca furada! Aquelas mãos entrelaçadas mais pareciam algemas e atrapalhava os movimentos. A mais velha reclamou. A mais nova retrucou: - Quem foi que disse que cachorro que late não morde?

sábado, 10 de julho de 2010

Diaristas

Meu trator Neusa era mesmo fantástico. Fazia de minha casa, sua casa e por este motivo muitas vezes deparei com os enfeites totalmente fora de seus lugares, ou seja, lugares que eu havia determinado para eles. Com estas mudanças havia a garantia de que realmente tinha tirado o pó das prateleiras, consoles e estantes, mas por outro lado fazia uma confusão dos diabos com as miniaturas que ao longo do tempo acumularam-se por todos os cantos da casa. Pois bem, no meio destas miniaturas havia a imagem de São Judas Tadeu a quem meu marido dizia que devia muitas graças. Nunca perguntei quais eram as graças por ele alcançadas porque na verdade nunca me liguei em imagens de santos, mas respeitava. Aquela imagem tinha uma vestimenta vermelha e em uma das mãos um cajado. Ficava em uma espécie de prateleira na cabeceira de nossa cama. Confesso que muitas vezes tive medo daquele cajado. Era uma miniatura, mas mesmo assim minha imaginação ia longe e chegava a pensar que um dia ele ainda infincaria aquele cajado em minha cabeça. Junto a todas estas lembrancinhas e enfeites havia um chaveiro e pendurado nele um chapéu de cangaceiro que meu marido havia trazido de um passeio ao Nordeste. Meu trator Neusa, num dia de elevada inspiração, tirou todas as miudezas para limpá-las e ao retornar cada coisinha em seu lugar observou que havia sobrado um chapéu. Não teve dúvida. Enfiou o chapéu do cangaço na cabeça do santo do cajado. Claro que provocou a ira de meu marido e eu não pude conter as gargalhadas.

Palavrinha Mágica

Foi na pequena cozinha do apartamento que eu morava no bairro da Freguesia do Ó que surgiu a palavrinha mágica. Móveis planejados. Concordo. Planejados mesmo para dar tudo errado. Os armários eram altos, pois era a única forma para que dentro da cozinha pudessem ser guardados os utensílios utilizados na própria e também as compras do mês, pois na década de noventa a inflação era galopante e para que não houvesse tanta perda de salário era fundamental que se fizesse grandes compras nos supermercados e com isso um bom estoque na despensa. O sofrimento para mim era grande demais. No meu metro e cinqüenta e quatro tudo ficava muito difícil e por isso alguns objetos, ou seja, os mais utilizados no dia-a-dia ficavam no gabinete da pia que compartilhava com um gaveteiro. Tudo ia muito bem até que uma diarista porreta, dessas que chegam esguichando água por todos os lados ficou responsável pela limpeza semanal do apartamento enquanto eu trabalhava. Moça de confiança e um “trator” na limpeza: - era o que dizia minha amiga passando-me as referências sobre a diarista. Não tendo tempo de acompanhar o primeiro dia de trabalho da referida faxineira deixei apenas as chaves na portaria e um “Seja o que Deus quiser” em pensamento. À noite fiquei satisfeita com o resultado. Cômodos muito bem limpos, móveis brilhando, cheiro de limpeza no ar. Estava aprovada. Nada como poder livrar-me daqueles afazeres nos finais de semana. O tempo foi passando e Neusa, este era o nome do trator, foi garantindo a manutenção da casa. Foi então que os problemas, aos poucos, foram surgindo. Percebia que em todo momento que precisava abrir uma gaveta do gabinete da pia, não conseguia. Travava-se ali uma guerra. Nunca tive paciência com estas coisas que emperram. Minha vontade é enfiar logo o pé e acabar com a tortura. Fico resmungando, xingando, olho pra cima como se lá em cima tivesse alguém para ajudar ou mesmo para encaminhar uma solução. E tudo que eu tinha em cima de mim, naquele momento, era o nono andar. O tempo foi passando e cada vez mais as gavetas ficavam difíceis de serem abertas. Descobri tarde demais que era o “trator” que ao lavar os azulejos não se perturbava com a beleza do madeiramento e fórmica de meus armários planejados. Foi assim que a palavrinha mágica surgiu. Numa noite, ao chegar do trabalho, resolvi fazer uma sopinha. Seria sopa fazer uma sopa, não fossem a concha e os talheres, presos, trancafiados, lançados à própria sorte dentro daquele maldito gaveteiro. Fiz força. Tentei de todas as maneiras. Forçava um lado. Não dava. Forçava o outro lado. Nada. Abria as portas ao lado para ver se havia ali um meio de comunicação. Nada. Colocava um dos pés na gaveta vizinha e com as duas mãos puxava a outra. Nem se mexia. A putaria foi tanta que chamou a atenção de minha filha que correu para assistir o espetáculo de camarote. Minha pequena platéia tinha três anos. Estava adorando. Sem entender nada ficou ao meu lado dando pulinhos e quando podia juntava suas mãozinhas às minhas para ajudar a puxar. O marido? Ah! Em situações assim ele preferia ficar longe. Em determinado momento, quase vencida pelo “bonitão planejado”, respirei fundo, removi minha pequena platéia do local em questão, reuni toda a força bruta em minhas mãos e num urro de animal enfurecido gritei: Caralhooooooooooooooo!!! E a maldita gaveta bruscamente veio em minha direção caindo sobre meu corpo já estatelado no chão. Em meio ao silêncio que se fez pude escutar as mãozinhas de minha pequena platéia aplaudindo. Sentia-me arrasada, mas sorri. Não pude evitar. E com o passar dos dias pude ver o efeito das palavras. Minha filha, numa destas noites em que se chega do trabalho explodindo de cansaço, a pequena tentou abrir uma das gavetas e não conseguindo gritou: Talaiooooooooooooooooooo. E a gaveta, como num passe de mágica, abriu-se para ela.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O PENSAR

Sabe, estive pensando. É verdade. Pensando muito. Disseram-me que faz bem pensar. E já soube até que tem gente que sofre disso. Aí pensei: ué? Se sofre, então não faz bem. Mesmo assim pensei, na verdade sem saber direito o que é pensar. É complicado explicar o meu pensar. Mistura-se com muitos pensares. Fica um pensamentão, uma bola gigante que passeia pensando em minha cabeça batendo levemente como batidas do coração. Aí pensei: pulsar... pensar... Ah! Não. Não vai combinar. Mas pensamentos pulsam. Latejam. Palpitam. Agitam. Então pensei: Se eu pensar, vai palpitar e se palpitar é porque consegui pensar. Foi então que pensei: preciso pensar no que quero pensar, pois assim penso bem. Começo pensando que eu penso. Que tu pensas. Que ele pensa. Que nós pensamos. Que vós pensais. Que eles pensam. Eles pensam? Penso que pensam sim. Viu? Eu disse penso e sendo assim então eu penso. Mas o que é que eu estava pensando mesmo quando comecei a escrever? Viu? Já esqueci. E esquecer é deslembrar. É perder-se no caminho do pensar. E como devo procurar? É pensando não é? Então vou pensar...

sábado, 3 de julho de 2010

Presente do Passado - E Viva a Internet!!!

Oi Verinha querida, tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta. De sol quando acorda. De flor quando ri. Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso numa tarde grande, sem relógio e sem agenda. Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça. Lambuzando o queixo de sorvete. Melando os dedos com algodão doce. O tempo é outro. E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, mas que a gente desaprende de ver. E a gente ri grande que nem menino arteiro. Costumo dizer que algumas almas são perfumadas, porque acredito que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com os seus dedos de energia. Mesmo distante quando me lembro de vc é assim que me sinto, te encontrar então seria uma festa... fiquei muito feliz de te reencontrar mesmo que na virtua. Bjos, abraços e carinhos sem ter fim... Psiu: Um amigo que estava perdido no tempo, mas não nas lembranças que muitas vezes vêm cheias de saudade e daquela vontade de engatar marcha-ré e voltar um pouquinho só... deixou o que chamo de "lindo presente do passado" e não poderia passar sem o registro neste pequeno espaço. Carica é seu nome.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

FALTA DE SORTE

Ela era assim. Reclamava sempre as dificuldades de encontrar um trabalho com salário, porque sem salário, dizia ela, já tinha muitos. Residia em uma pequena cidade do interior e por assim ser, as dificuldades para encontrar emprego era maior. Número reduzido de vagas era uma delas. Poucas opções também fazia parte da lista das dificuldades. Mas a falta de sorte, segundo ela, disparava em primeiro lugar. E os dias passavam em sua sequência mais do que normal. O dia entrava pela noite e a noite entrava pelo dia. E o emprego... Ah! O emprego? Esse não aparecia. Resmungava. Choramingava falta disso ou daquilo. Alguém ajudava. Outro alguém questionava. E aí? Encontrou? Ao que respondia: Procurando... procurando... Um dia, destes dias que amanhecem com cara de boas notícias, o telefone de alguém toca. Aquela musiquinha já conhecida identifica a chamada e as moedinhas saltam dos bolsos indo parar nos cofres da operadora de telefonia. Finalmente uma boa notícia. Emprego arranjado era assim que do outro lado a voz dizia. Bom salário e muita tranquilidade a vista. Casa de fazendeiros no centro da cidade. Melhor que isso não há! Ficam na fazenda e aparecem raramente em finais de semana para passear. Praticamente não farei nada. O trabalho é manter a casa limpa. Sinto-me dona da casa, afinal fico lá sozinha. Tem até piscina, acredita? Posso até me bronzear. Muito bom. Muito bom mesmo a atendente dizia. E desta forma finalizaram a conversa que deixou no ar a sensação de alívio. Tempos depois, e nem tanto tempo assim. Talvez uns quarenta dias que entraram na noite... Telefone toca. Novamente aquela musiquinha que mexe nos bolsos e fazem as moedinhas pularem para o cofre da operadora de telefonia. Um autêntico identificador de chamadas. Vamos lá! Quais são as novas? Está bem no novo emprego? Que nada! Pedi "as contas". Dava pra ficar lá não. Muito trabalho. Acabei me desentendendo com os patrões. Apareciam nos finais de semana cheios de visitas e parentes, deixavam a casa um lixo! Uma bagunça! Iam embora largando para trás uma zona total! Não aguentei! Que eles pensam? Que tenho que ficar a semana toda limpando a puta confusão que fazem? Eu hein! To fora!