segunda-feira, 28 de junho de 2010
CONFUSA ORAÇÃO
Ela sempre fazia suas preces antes de dormir. Não o sempre de todas as noites, mas o sempre das vezes que se lembrava. Nos últimos tempos andou meio esquecida desta prática. Estava mesmo meio emburrada com Deus. Não que o culpasse por algo errado em sua vida, isso não, mas se é pra rezar agradecendo então não tinha mesmo que rezar! Agradecer o que? Ui! Quando se revolta é um Deus nos acuda! Ninguém aguenta! Nos últimos tempos tem lá dado o dedo mindinho a Deus, procurando trazer de volta a conversinha noturna. E foi numa dessas conversinhas que a situação entre os dois só piorou. Ela começa: Pai do Céu... to com um sono danado... pendurei os panos de prato? Ah! pendurei sim! E porque Pai do Céu? Então não é Pai de todos? Quero agradecer pelo meu dia. E que dia! O que? Tá dizendo que já vou começar a reclamar? Caramba! Será que fechei a porta? Não acredito que vou ter que sair daqui do meu quentinho pra verificar. Não. Isso já é demais! Sabe que horas são? Tá bom. Vai me dizer que pra você não existe esse negócio de hora, né? Mas para mim existe. E como existe. Quantas vezes já quis ser cachorro nesta vida! Já pensou? A todo momento alguém bateria o pé e diria: já deitar! Que maravilha! Mas Pai do Céu... como é que você consegue lidar com tudo isso e ainda ter esta paciência toda, hein?! Alguém me disse que você nos fez de barro e que num sopro nos tornamos de carne e osso. Dá pra perdoar alguém que tenha dado esse maldito sopro? Não teria sido melhor se todos fossemos mesmo de barro, ou seja, estátuas!? Claro que aí não poderia existir a chuva porque senão meu filho, ops, meu Pai, seríamos pura lama. Pior ainda se virássemos uma lama viscosa e nojenta. Acho até que somos viscosos e nojentos. Ei.. Tá me ouvindo? Se tem uma coisa que detesto é isso: ficar falando sozinha. Que bobagem! Chuva pra que? Na condição de estátua não há necessidade de água. Mas somos estátuas de nós mesmos. Sabe porque? Te peguei, né? Essa você não sabe responder. Nos tornamos estátuas de nós mesmos quando nos deparamos com impedimentos para fazermos determinadas coisas. Tudo por causa dos Dez Mandamentos. É Mandamento que não acaba mais! Pegou pesado viu! Tão pesado quanto àquela pedra em que ficou inscrita a Lei. E sabe o que vejo? Que muitos nem chegaram perto desta leitura. Você criou os Dez Mandamentos e algum engraçadinho criou os DESmandamentos, e olha que o genérico aí ganhou muito mais seguidores. O que? Não. Isso nunca. Seguir os Desmandamentos? De jeito maneira! Gosto dos seus mandamentos. Me faz ter disciplina e o que é melhor, me coloca sempre ao teu lado. Gosto de te questionar. E gosto também de negociar. Devagarinho vou negociando com você algumas flexibilidades, algumas brechas na Lei. Não pode ser tão durão assim. Usar o livre-arbítrio? Pra que? Nessa você não me pega não. Livre-arbítrio de livre não tem nada! Essa eu já sei. Depois vai me cobrar dobrado. Quero não. Continuo negociando. Um dia iremos nos entender! Amém Pai do Céu. Vou lá fechar minha porta.
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